Pratique o bem
Pratique o bem, esta é a máxima. Neste trabalho totalmente voluntário, eu assistia as mazelas de nosso país de perto. Ajudar como podemos ao próximo, independente de saber quem é e o que fez, contribuir para melhorar o bairro, doar-se de alguma forma pelo seu entorno. Não há valor nenhum em ser soberano em um planeta agonizante. Muito triste, mas consciente de meu papel, eu fazia o que podia para ajudar pessoas.
Comigo tudo aconteceu por acaso. Eu não estava nada satisfeito com a falta de presença pública no bairro. Tinha comigo uma lista de melhorias que precisavam ser executadas. Tentei contato por e-mail com a Prefeitura por diversas vezes para poder agendar uma reunião com o Prefeito e fazer minhas solicitações. Percebi que tanto os protocolos que eu recebia quanto as respostas automáticas eram tão efetivos quanto o vácuo. Tive que buscar outra abordagem, telefonando. A Central de Atendimento era um canal tão infeliz no meu atendimento quanto os e-mails. Tudo que eu pedia, gerava um prazo de 90 dias para uma resposta. Felizmente, sou muito detalhista e organizado em se tratando de agenda. Como nunca recebia um retorno, após o término do prazo lá estava eu incomodando para saber o que havia sido feito. O atendimento me mandava outro protocolo com prazo de 90 dias para saber a resposta do protocolo anterior. Resumo: se algum dia você quiser saber qual é a sensação de sentir-se um otário, abra um protocolo na Prefeitura de SP.
O único jeito era acompanhar a agenda do Subprefeito, que ao menos, tinha um foco mais apropriado para atender necessidades para a nossa região. Busquei tentar uma abordagem em uma audiência pública e conseguir seu cartão de visitas. Deu certo!
Com o cartão dele em mãos, marquei reuniões auto intitulando-me “Líder Comunitário do bairro do Brás”, e desta forma consegui espaço em sua agenda. Eu tinha muito para falar!
Eu consegui as reuniões que desejava, mas logo percebi porém, que nem desta forma obtinha resultados concretos sobre meus pedidos. Eu conseguia ser ouvido, mas nada de prático era feito. Era um jogo de enxuga gelo.
Mas a vida é mesmo cheia de surpresas, e então conheci uma senhora de quase 80 anos, uma “jovem guerreira” que foi fundamental nesta luta em prol da cidadania. O nome dela era Marina Atsuko Ueno, uma imigrante do Japão. No alto de sua estatura de um metro e meio, me ensinou tudo que sei sobre persistir para melhorar o bairro e praticar o bem. Eu devo muito ao exemplo dela, um símbolo de que não há tempo e idade para se comprometer com a cidadania.
Eu conheci a Marina em um destes duelos com a Subprefeitura. Estava organizando um abaixo-assinado com solicitações de melhorias no Parque D.Pedro. O parque estava abandonado, o local havia se transformado em destino para descarte de entulhos e muita sujeira. Os ratos prosperavam. Frequentemente, era usado para esconderijo de meliantes em seus crimes rápidos nos semáforos da região. Eram enormes os transtornos aos frequentadores do bairro. Os motoristas que passavam pelo seu entorno tinham suas janelas quebradas e seus pertences roubados. Tudo por causa de uma pedra de crack. Aos poucos, os usuários de drogas estavam tomando espaço e montando abrigos no parque, sem que ninguém tomasse uma atitude. Era comum assistir pessoas puxando suas calças e defecando ao chão. O local estava ficando medonho. Não havia presença pública nenhuma, uma área verde linda com mais de 200mil metros quadrados em plena selva de concreto no centro de São Paulo e tudo desperdiçado, sem atenção. Nada que lembrasse um parque, a não ser dois bancos para sentar e chorar, assistindo aquela penúria.
A Marina era um grande exemplo de como agir para mudar. Ela unia todo o bairro com seu poder de liderança. Chamava moradores e comerciantes para aumentar o peso nas reuniões. Aprendi muito ao lado dela. Impossível achar uma pessoa com tamanha paciência para agendar reuniões com os responsáveis do poder público, que buscavam fugir ao compromisso a qualquer custo. Ao lado dela, as reuniões foram muito mais efetivas, ela dava verdadeiras broncas e cobrava o prometido. Ela brigava pelo bairro como uma mãe, e quem se mantem imparcial com uma senhora tão bondosa apontando o dedo aos culpados? Funcionou.
Tudo o que fizemos foi reunir-se em uma mesa e negociar de forma objetiva com os Subprefeitos. Se foi fácil? Claro que não! Foram muitas as reuniões com as autoridades e outras tantas desmarcadas em cima da hora, o que me deixava muito indignado. Sem dúvida me exigiu boa dose de paciência e tempo. Em uma reunião com o chefe de comando da Guarda Civíl, solicitamos viaturas permanentemente no parque. Ouvimos que ele não poderia fazer isso porque colocaria a vida de seus oficiais em risco! Tentamos a mudança estimulando a frequência de pessoas. Mas pedir ao Subprefeito uma simples mesa de cimento cru e bancos para que pessoas pudessem frequentar a área e jogar dama e gamão, era como pedir um filet chateaubriand ao molho poivre. Eu ouvia o tempo todo das autoridades o termo “o cobertor é curto” e era um desafio não desistir, tanto era o descaso daqueles que detinham a função de mudar. Além do mais, a prefeitura fazia revezamentos regulares nestes cargos públicos e muitas vezes conseguíamos a atenção de um Subprefeito para nossas reinvindicações para logo depois ele ser substituído no cargo. Todo o trabalho precisava começar do zero com um novo responsável! E quantas vezes ouvimos a pergunta dos novos Subprefeitos aos seus assessores: “esta área é minha?”
O importante é que não desistimos. A Marina me dizia sempre: “Não desista, Deus ajuda!” e apontava o dedo na minha cara. Eu ria de alegria da força de vontade daquela senhora. Não importa a dificuldade, eu e a Marina estávamos lá cobrando o que foi prometido, de novo e de novo. Foram 9 anos insistindo. Chegou um momento que a nossa persistência conseguiu incomodá-los! Aos poucos a turma aumentou, e este coro foi fundamental para que seguíssemos em frente para atingirmos os resultados que desejávamos.
Os resultados vieram de pouco em pouco, mas somados foi muita coisa: reformas das calçadas, adaptando-as para cadeirantes. Conseguimos o plantio de árvores floridas para dar mais vida ao bairro. Conseguimos iluminação melhor e mais econômica para as vias em lugares perigosos. Conseguimos policiais em ronda ostensiva e em locais e horários estratégicos. O parque foi limpo, o mato aparado e os viciados levados ao lugar apropriado para sua recuperação. Ajudamos a montar um parque com brinquedos para crianças, quadras para os jovens e equipamentos para atividade motora para a terceira idade. Foram instalados mais de 50 bancos para sentar e ver tudo novo. Aquela imensa área verde antes abandonada, agora podia se chamar parque! Logo as crianças começaram a aparecer e abri um enorme sorriso de satisfação no rosto.
Tudo foi conquistado desta forma, cobrando os responsáveis que tomassem atitudes. Utilizando o caminho correto, sem causar tumulto, sem fechar avenidas, sem queimar pneus e causar estragos no ar e no patrimônio. Sobretudo, houve muita paciência! Não posso negar os nomes de Alcides Amazonas e Gilberto Tadeu, os responsáveis públicos pela destinação da verba e sua correta aplicação.
Um dia finalmente o Prefeito apareceu. Era o dia de inaugurar o parque, com todas as obras concluídas. O Prefeito trouxe uma banda para tocar quando ele aparecesse. Construiu um palco que tinha até iluminação de show musical noturno, embora ele só faria um discurso durante aquela manhã. Ele afixou uma placa comemorativa com seu nome, chamou a imprensa e recebeu todos os créditos.
Se valeu a pena? Sim, valeu. As reformas vieram. A sociedade venceu!