PROJETO MARS ONE: ÓTIMA PROPAGANDA, POUCOS FATOS
Astronauta Marcos Pontes
01 de Abril de 2015
Infelizmente, da mesma forma que emagrecer 20 kg não pode acontecer por mágica em uma semana, a única maneira de realizar uma missão espacial da envergadura de uma viagem a Marte com sucesso é através de muito estudo, trabalho, tecnologia e preparação séria de tripulação profissional.
O projeto Mars One tem uma ótima propaganda, mas até agora não apresentou/divulgou as devidas credenciais técnicas, nem a análise completa dos fatores da missão, nem os contratos necessários com possíveis fornecedores para desenvolvimento do transporte e dos equipamentos essenciais para o sucesso da missão.
Dessa forma, no cenário atual, na verdade ele representa um sério risco não apenas para a vida dos inocentes que pretendem compor sua tripulação, mas para todo o esforço futuro de enviar missões tecnicamente viáveis para Marte.
Caso o projeto consiga chegar até o ponto de decolar com carga humana – e eu sinceramente espero que não – a provável morte dos passageiros no translado, no pouso ou algumas horas depois disso, representará uma comoção mundial capaz de também matar qualquer tipo de tentativa posterior de realizar uma missão internacional tripulada com perfil semelhante, por mais que seja séria e tecnicamente estruturada. Lembre-se de que tal missão terá necessidade de contribuição financeira de vários países e organizações, e, certamente, a repercussão negativa da morte inútil de seres humanos em uma missão anterior, mesmo que antecipada por especialistas, poderá inviabilizar a participação desses investidores.
Para aqueles que não conhecem o Projeto Mars One, ele pretende utilizar tecnologias já desenvolvidas para enviar espaçonaves para Marte a partir de 2018. Inicialmente serão enviados sondas tipo “rovers”, seguidos de módulos de apoio à vida e, finalmente, em 2024, seres humanos.
Parece simples, mas basta uma análise um pouco mais lógica para encontrar diversos pontos de problema.
Uma viagem a Marte com a tecnologia atual dura diversos meses.
Supondo que as etapas não tripuladas tenham tido sucesso (apesar do custo necessário ter de ser revisto), teremos o envio de seres humanos.
Durante o percurso, a saúde da tripulação será degradada ao extremo com radiação, perda de massa muscular, perda de densidade óssea e fatores emocionais (especialmente uma tripulação não profissional). Próximo desafio: o pouso. As técnicas de pouso utilizadas atualmente para sistemas terão de ser adaptadas para seres humanos.
Supondo que a tripulação tenha sobrevivido ao voo e ao pouso, a preparação dos módulos no solo para sustentar a vida precisa ser imediatamente conduzida. Mas, na verdade, a tripulação precisaria de um hospital!
Supondo que consigam, aí temos outras questões essenciais como: quantidade e qualidade de alimentação, água, oxigênio, roupas espaciais que ainda não foram desenvolvidas, condições emocionais, etc.
Esses são apenas alguns exemplos óbvios. Na verdade, existe uma grande cadeia de suposições com baixos percentuais de sucesso que têm de ser multiplicadas para se chegar à probabilidade de sobrevivência da tripulação. O resultado certamente será um número inaceitável muito próximo de zero.
Neste artigo não cabe entrarmos em detalhes técnicos, mas para aqueles mais curiosos, existe umestudo completo feito pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), disponível na internet, onde são analisados os aspectos e dados divulgados do projeto, chegando-se à conclusão da inviabilidade da sua execução.
Não quero “jogar um balde de água fria” nos sonhos daqueles que querem ir a Marte. Isso ainda É POSSÍVEL! Mas infelizmente, por enquanto, com o nível da nossa tecnologia, será necessário muito estudo, esforço pessoal, trabalho e dedicação por muitos anos para ser parte do grupo de astronautas profissionais e, mesmo assim, encarar sérios riscos.
Noutras palavras, não acredite em comprimidos milagrosos!
Astronauta Marcos Pontes
Nascido no interior de São Paulo, em 1963, Marcos Pontes é Astronauta Profissional Especialista de Missão, formado pela NASA e pela Roscosmos, e permanece à disposição do Brasil. É Palestrante Motivacional, Coach Especialista em Desempenho Pessoal e Desenvolvimento Profissional, Mestre em Engenharia de Sistemas, Engenheiro Aeronáutico pelo ITA, Diretor Técnico do Instituto Nacional para o Desenvolvimento Espacial e Aeronáutico, Empresário, Consultor Técnico, Embaixador Mundial do Ensino Profissionalizante, Embaixador das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, Presidente da Fundação Astronauta Marcos Pontes e Autor de quatro livros: “Missão Cumprida. A história completa da primeira missão espacial brasileira”, “É Possível! Como transformar seus sonhos em realidade”,“O Menino do Espaço. A história do Primeiro Astronauta Brasileiro” e “Caminhando com Gagarin. Crônicas de uma missão espacial, todos publicados pela editora Chris McHilliard do Brasil.