Voo em Gravidade Zero ou voo Parabólico – ZeroG

Dia 28 de Setembro de 2012, Cabo Canaveral – Estados Unidos. Terra dos astronautas.

Desde os tempos de Goddard, o pai da astronáutica americano, muito do que aconteceu em se tratando do meio aeroespacial passou por aqui. E eu estava prestes a realizar mais uma das atividades comuns no treinamento de um astronauta. Flutuar. Sim, flutuar! Muitas pessoas  sonham em flutuar sem esforço como os astronautas no espaço, e mesmo para o astronauta de profissão, esta simulação é obrigatória.  Diversas máquinas e simuladores medem a resposta de cada trainee aos rigores de uma viagem espacial. Atualmente, indústrias totalmente diferentes utilizam diversos destes simuladores, mas poucos sabem que mesmo um avião de passageiros pode ser utilizado neste tipo de treinamento. E porque um treinamento que simula a flutuabilidade?

Uma vez no espaço, a ausência da gravidade terrestre faz com que os corpos flutuem aleatoriamente, por isso o controle desta habilidade precisa ser ensinada e aprendida. Certamente você não deseja dar um “coice” em seu companheiro de viagem, muito menos “chutar” e danificar um importante mecanismo interno da espaçonave, ocasionando um dano irreparável de alguns milhões de dólares e colocando vidas em jogo. Isso é sério.

O treinamento pode parecer simples, embora toda a estrutura e aparato para realizá-lo é extremamente complexo.

Estávamos embarcando em um Boing 727-200, o G-Force One, um avião especialmente adaptado e preparado para esta experiência. Por fora, parece um avião comum. Por dentro, bem diferente. A começar pelos sistemas de injeção de combustível: Os engenheiros da Boing projetaram um sistema hidráulico que impede que o ar e o fluído hidráulico se misturassem em um ambiente com ausência de peso – tal mistura poderia acarretar uma perda na pressão hidráulica, tornando o controle do avião muito difícil. O novo sistema hidráulico é um sistema fechado, ou seja, uma série de válvulas impede que o ar e o fluído hidráulico se misturem. Deste modo, deve funcionar eficientemente mesmo sob as variações de gravidade e rigorosas condições a que o avião será submetido.

Sob o aspecto estrutural, existem reforços extras na estrutura. Esta maior capacidade de resistência para fissuras no casco envolvem as asas e o corpo do avião. A Boeing projetou o 727 para suportar forças de -0,1 G até 2,5 G. A carga de gravidade durante o voo parabólico fica dentro do intervalo de zero G a 1,8 G, que está dentro do intervalo seguro. A FAA – Federal Administration Aviation, inspeciona regularmente o avião quanto a sinais de fadiga do equipamento e necessidade de manutenção. Esta inspeção regular e continua deve garantir a confiabilidade sob este aspecto.

Os engenheiros projetaram também um acelerômetro especial para a cabine de comando. O acelerômetro mede a velocidade e a rota do avião ao longo de um arco parabólico. Os pilotos podem receber os dados sobre sua trajetória de voo, fazendo pequenos ajustes quando necessário para assegurar que cada arco seja o mais preciso possível. O voo acontece pelas áreas desabitadas que estão fora das rotas da maioria dos voos comerciais. Cada voo acontece dentro de um corredor designado pela FAA de aproximadamente 100 milhas de comprimento por 10 milhas de largura.

Por dentro, o G-Force One não é tão diferente de um avião de passageiros comum, exceto que a maior parte das poltronas são retiradas, tornando a estrutura oca. No lugar do carpete, almofadas. No lugar de janelas, almofadas. E mesmo por toda a lateral da fuselagem, almofadas. Elas devem evitar que os candidatos a astronautas se machuquem durante as quedas regulares no treinamento. Como assim “quedas?”

Explico: podemos simular a ausência de peso sem sair da força gravitacional da Terra. A forma mais simples de explicar é observarmos um objeto em queda livre. Queda livre é quando um objeto cai somente sob a influência da gravidade.

Para que os passageiros de um avião experimentem a queda livre com segurança, o avião deverá subir em um ângulo bem inclinado, nivelar, e então mergulhar, criando uma rota chamada arco de parábola, também chamada de Trajetória de Kepler ou rota de queda livre. Em um arco de parábola verdadeiro, a única força de aceleração é a gravidade puxando no sentido vertical – a velocidade horizontal permanece constante. Devido à resistência do ar, os objetos na atmosfera terrestre só navegam em arcos que se aproximam de uma parábola verdadeira.

Normalmente o avião nesta experiência voa a uma altitude entre 7.315 m e 9.754 m. Isto fornece espaço suficiente para manobrar o avião com segurança ao longo da sua rota de voo. A descida do avião deve começar a uma grande altitude, havendo uma distância segura para que o piloto saia do mergulho. Assim que o avião chega ao pico de seu arco, o piloto orienta-o em um ângulo de 45 graus. Durante a subida, a aceleração do avião e a força da gravidade criam uma força de 1,8 vezes a força da gravidade – os passageiros pesam temporariamente quase o dobro do normal. À medida que o avião ultrapassa o topo do arco, a força centrífuga exercida no avião, e em tudo dentro dele, cancela a força gravitacional que puxa para baixo. Neste ponto os passageiros sentem a microgravidade – a sensação é  que você não tem peso porque somente forças gravitacionais desprezíveis estão presentes. A sensação de ausência de peso dura aproximadamente entre 15 a 20 segundos em cada parábola. Eu farei 15 parábolas no total. Como o avião protege os passageiros da força do vento, eles podem sentir a queda livre sem nenhuma interferência da resistência do ar. Da mesma forma, com as janelas tampadas por almofadas, ninguém de fato visualiza o avião caindo, que é claro, pode parecer bem assustador.

Esta brincadeira é conhecida na NASA como “Vomit Comet”  e um treinamento mais avançado para astronautas, chegam a ser realizadas cerca de 100 parábolas.

Eu precisei fazer  a reserva do voo em Gravidade Zero através da Agência Marcos Pontes e recebi o auxílio e apoio do astronauta,  uma aula de fisiologia de voo foi fundamental para garantir o melhor aproveitamento possível da experiência. Recebi também um pacote com informações e formulários para preenchimento. Os formulários incluem uma declaração e um certificado de que você não sofre de quaisquer condições, ou doenças que poderiam se agravar durante o voo. Alguns passageiros podem necessitar de uma autorização do médico, antes que se permita a sua participação.

Na hora de embarcar no avião,  sentamos  na parte traseira do avião. Aqui ainda existem poltronas por determinação da FAA e regulamento comum a qualquer voo.  Apertamos o cinto de segurança.  Às 10 horas o avião taxiou na pista e levantou voo como qualquer outro avião.

Após  atingir a altitude de cruzeiro, finalmente a tão aguardada hora. Está na hora de soltar o cinto de segurança e ir para a área de treinamento, que aliás promete uma boa diversão. Primeiro, me deitei  no chão enquanto me preparo para a primeira rampa, durante a qual as forças G aumentam.

Quando o avião chegou ao topo mais alto, um membro da tripulação gritou “gravidade marciana!” A gravidade marciana é um pouco menor que a da Terra, cerca de um terço, e você realiza um exercício de flexão equilibrando todo seu corpo usando apenas 2 dedos. Incrível a sensação! De certa forma, é como se você estivesse adquirindo super poderes.

Depois, ouve-se “gravidade lunar” (cerca de um sexto ao da Terra)  e neste ponto é possível realizar uma flutuação de pé, porém desengonçada. Aqui me senti como uma criança ensaiando os primeiros passos, mas como se meu corpo pesasse o mesmo que uma bexiga.

Daí me deitei para esperar pela parte mais interessante: gravidade zero! E como em um show de mágica de Rudini, de repente seu corpo começa a levitar…Nesse momento, você pode mover-se pela área de 27 metros, experimentando o ambiente de gravidade reduzida. A tripulação oferece ajuda e tira fotos e vídeos da  experiência, enquanto eu flutuava e fazia poses de superman, dava cambalhotas, realizava giros e ficava de ponta cabeça. Como minha mãe fazia aniversário naquele mesmo dia e ela estava em São Paulo, preparei uma surpresa especial: eu estava com aquele macacão que os astronautas usam nos treinamentos, então pedi pra uma pessoa me filmar enquanto flutuava e segurava um papel com os dizeres: “Feliz Aniversário Mãe!” Mais tarde, após mandar o video surpresa pra ela, sem entender nada, me indagou: “você foi para o espaço e esqueceu-se de me avisar?”

Imagine a cena? Foi hilário!

Quando o avião começa a sair de seu mergulho, um membro da tripulação grita: “pé no chão!”  Esta é a senha para que eu me posicione  de modo a aterrissar com segurança no chão, à medida que a gravidade aumenta gradualmente. As quedas durante o final das parábolas são repentinas, é preciso ter cuidado. Quanto mais pesado você é, maior a dureza na queda. Eu me sentia um saco de batata atirado ao chão. A cada queda, eu  deveria estar pronto para a próxima simulação em 1 minuto, deitando-se no chão para a próxima subida.

Assim que o avião completou o último arco de parábola, voltei para a área dos assentos e apertei o cinto para a aterrissagem. Por fim, retornamos ao aeroporto.

Deixei o avião para uma foto com os pilotos e como sempre faço, levo a bandeira do Brasil. É tradição realizar 2 filas paralelas com todos os passageiros, onde no final existe um organizador com uma garrafa de Champagne. Os pilotos atravessam este corredor com uma ovacionada dos trainees comemorando felizes e batendo em suas costas até terminar com o banho de Champagne. Uma bagunça saudável.

Depois ainda seguimos  para um almoço de confraternização, onde aqueles que não sentiram nenhum enjôo, podem terminar sua comemoração e receber seu certificado. É normal que 5% dos passageiros sintam enjôo, porque uma vez que seu corpo fica de cabeça para baixo e em boa parte do tempo em movimento, os líquidos do seu corpo viajam para sua cabeça e as vezes se concentram em seus pés. Este movimento contínuo causa sensações desconfortáveis atípicas, principalmente porque confundem seu labirinto, que busca estar em alerta buscando o equilíbrio do seu corpo. Um vietnamita que estava no meu grupo passou mal e logo que me deparei com uma nebulosa de vômito seguindo a bissetriz na minha direção, nadei cachorrinho sem contudo, obter qualquer efeito no deslocamento. Os detritos gástricos seguiram em rota de colisão comigo enquanto eu dizia em câmera lenta “Nããããooo!”. Suei bastante pra vencer a logística liquida do meu amigo que acabou acertando minha perna, infelizmente. Mas isso me ajudou a dominar e compreender ainda mais os exercícios em micro-gravidade.

Já felizmente, para mim não houve qualquer problema de enjoo. Eu estava satisfeito com meu desempenho e agradecido pela oportunidade de estar ali. Queria seguir em frente com meu treinamento espacial e já estava ansioso para as próximas etapas.

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