Mergulho com tubarões – Shark dive

Dia do sharkdive. Mergulhar com tubarões era talvez o maior entre todos os testes de medo pelo qual passaria em toda minha vida. No dia do mergulho, eu não pensava em nada. Não podia.

E enquanto me preparava com os equipamentos para o nosso check-out ,  nossa lancha tornava-se cada vez menor no oceano e também  mais sensível as ondulações do alto mar. Era a minha insignificância que aumentava sobre o todo. E se não bastasse a sensação de fragilidade, além das ondas mais altas e escuras, a praia desaparecia no campo de visão.  Eu pensava como iria enxergar um tubarão naquela profundidade, já que conforme o mar ia se tornando coca-cola, o risco da experiência começava a perder efeito, já que não previa a menor chance de visibilidade. Nesse momento, comecei a me dar conta que esvaziar a mente não ia adiantar de nada. Enquanto olhava meu guia, que vestia sua roupa de aço (por sinal, toda desfiada pelas mordidas de tubarões) ,eu  estava sério e pálido: “agora o bixo tá pegando”…

Exclamei curioso ao guia:

– Ei! Eu não tenho esta roupa!

No que ele respondeu de bate-pronto: – Não será necessário. Vocês só tem de descer e olhar.

Porque será que tive a impressão de uma resposta extremamente evasiva? Afinal, a roupa de aço dele estava destroçada!

Aquele foi o momento da famosa piscadela anal. O guia mudou de assunto rapidamente e busquei concentrar-me no que ele dizia: “Pessoal, eu vou descer primeiro e os demais devem descer em formação, por ordem de altura, do menor ao mais alto. Utilizem o cabo da ancora pra agilizarmos a descida e se adaptar nas correntes profundas. Chequem 30 metros no profundimetro e controlem o estoque de ar. Lembrem-se que o ar comprimido deve ser suficiente para a ida e a volta, portanto, marquem o tempo de ida e o ar consumido.  Quando os tubarões chegarem, pode ser que a velocidade da respiração de vocês aumente, isso é normal. O estoque de ar para a volta sempre deve ser maior que o de ida.   Assim que chegarmos ao ponto de encontro, quero todos em roda com as mãos apoiadas nos tijolos que estão na areia do fundo. Este é nosso acampamento, ok?”

E terminou.

Bem, normalmente, após uma situação tão complexa como essa, muitas dúvidas surgem. Eu ia perguntar “Como assim, tijolos?” quando o nosso guia já mergulhava de costas para o fundo do mar, que é o procedimento padrão. Olhei espantado para meus companheiros que também traziam um rosto amargo com aquela situação, isto é, não foi das melhores instruções que já recebi na vida. Eu estava prestes a mergulhar com tubarões, não sabia o tamanho deles, a quantidade e principalmente a fome deles…a fome! E nosso guia falava em tijolos…

Eu esperava que as informações chegassem mais detalhadas, mas não foi assim que aconteceu. Agora o medo descia de vez e encarnava todos os músculos do meu corpo. E enquanto meus amigos desciam um por um, eu que pra variar era o mais alto de todos seria o último na ordem de descida. Foi assim: ninguém fez questão de expor seu nervosismo com a situação. Era descer ou descer. Missão dada é missão cumprida. Simples assim.

Um a um, todos cumpriam seu martírio naquela missão suicida, engolindo em seco, ou melhor, no molhado, escondendo seus rostos nervosos atrás de mascaras de borracha. Eu olhava à todos descendo um a um, enquanto vigiava  ao menor sinal de molho de tomate na água. Nada. Chegava a minha vez.  Respirava fundo buscando  tranquilizar-me e tirar coragem sei lá de onde. Olhava para o céu. “Será que eu passo dessa?” Mas o céu também não estava muito amigável e aquela cena estava mais parecendo filme de terror. “É…vamos pra baixo né?” E testava o gas do cilindro buscando algum aviso do meu anjo da guarda do tipo “Epa, isso aqui não esta funcionando…shiiii, não vai dar pra descer, que pena!” Mas nada disso aconteceu.

Estava tudo funcionando que era uma beleza. Sem mais enrolar, fiz igual aos meus amigos acéfalos e caí de costas na água, seguindo o procedimento  para mergulho com equipamentos.

Logo que nosso corpo entra no oceano…é outro mundo!

Você está ali vestindo um montão de equipamentos e se torna o astronauta do mar. O lugar desconhecido e aparentemente intocado pelo homem, é seu novo planeta.  E num piscar de olhos,  de repente, tudo fica azul:  curiosamente, a visibilidade é boa quando se entra na água. Os peixes estão azuis, a fauna está azul, você está azul…é incrível o poder de reflexão que a luz tem na água.

Agarrei a corda da ancora de nosso barco que era o auxilio guia para a descida. Em caso de má visibilidade, ela era fundamental para não se perder em alto mar.  Nosso “acampamento” estava logo abaixo, a aproximadamente 30 metros. Para a descida é necessário fazer a descompressão, ou seja, apertar o nariz e soltar o ar pelas orelhas, liberando um breve estalo. Esta descompressão varia de pessoa pra pessoa, no meu caso era feito a cada 3 metros.  A descida deve ser bem lenta de modo a adaptar seu corpo a esta incrível carga de pressão gerada pelo peso do oceano.

O objetivo já podia ser visto, cerca de 8 tijolos dispostos no fundo oceano, formando um círculo “tribal”. Eu podia ver que o guia me esperava no centro do circulo. Definitivamente, não gosto nada de ser o último. Quando você é o último, parece que todos já estão impacientes.

Eu sabia que nosso guia levava um caixa cheia de iscas, cujo objetivo era o de atrair as feras. No momento certo, ele abriria a caixa e infestaria o ambiente de predadores. O que eu já sabia no curso teórico, é que em uma situação como essa é inprescindível que não se bata as nadadeiras, ou popularmente conhecidas como pé-de-pato. Isto poderia levantar a areia do fundo, causando problemas na visibilidade de todos (inclusive dos tubarões) e tornando a água turva.  Imagine que um tubarão em meio a bagunça poderia tranquilamente confundi-lo com uma isca e desta forma você viraria refeição. É muito comum que estes predadores ataquem pessoas e existem diversos relatos disso. Mesmo para nosso guia, com seu conhecimento e experiência afiados neste tipo de evento, vestindo sua roupa especial de aço, já recebeu diversas mordidas de tubarões.  Deve-se considerar que as pupilas gustativas do tubarão ficam na parte de trás da garganta e isto sabido, não era a toa que este animal também se engane, e uma vez havendo a mordida no tecido de aço, há a guspida.

No meu caso, não podia me dar ao luxo desta mordida e teria que ficar, como nosso guia disse, quieto. Me ocorreu que se mesmo seguindo o procedimento, havendo alguém no grupo que  não seguisse, já era suficiente para o risco. Pior: os tubarões são predadores que agem por impulso. Basta que um tubarão ataque um dos membros do nosso grupo, para que todos os demais sejam atraídos para o ataque também.  Imagino que todos se assustariam com a situação e o pior viria, a dilaceração total.

E enquanto pensava tardiamente sobre as consequências de minha decisão de estar ali, o nosso guia já escancarava o baú de iscas. Em questão de segundos, apareceram de todos os lados uma comunidade inteira deles!

Era impossível contar a quantidade, tão ansiosas as feras estavam por sua refeição. Eu podia supor que eram cerca de 30, dos mais variados tamanhos: alguns tinham cerca de 3 metros, eram os “pesadões”, outros tinham um tamanho médio, e tinham também os filhotes.

Felizmente, as correntes do oceano que podem tornar tudo turvo em poucos segundos estavam sob controle, e junto com meus companheiros pude ver de perto aqueles predadores passando a poucos centímetros de mim. Um filhote resolveu coçar sua barriga em meus cabelos e por um instante fiquei paralisado.

Nosso guia ia alimentando um a um, como se faz com um cachorrinho de estimação: ele espetava uma das iscas da caixa usando uma lança, em seguida fechando a caixa rapidamente, e com habilidade, escolhia qual tubarão seria alimentado.

Aos poucos, o extresse inicial vai passando. Diante daquela festa gastronômica, você começa admirar aquele verdadeiro balé de peixes. Sobre o novo parâmetro, tudo parecia muito mais seguro. Até que…

A pior entre todas as situações que envolvem algum risco, é justamente desprezá-lo! Nunca, mas nunca mesmo, se acomode! Lembre-se da seriedade que envolve o processo, afim de garantir sua segurança e a de todos os demais. Eu havia cometido uma falta grave, a qual fui saber mais tarde, quando tomei uma bronca ( e com toda razão) do meu guia após chegarmos no barco.

Entre toda a mistura de fascinação com diversão que se tornava aquele espetáculo, um câmera-man que nos acompanhava resolveu tirar uma foto minha. Naquele momento, eu quebrei a regra fundamental e fiz uma saudação para a câmera. Tirar minhas mão dos tijolos era falta grave: minha mão poderia ser confundida com um molusco qualquer e…nhaque! Era uma vez, uma mão!

Assim, mais uma vez recebia uma lição sobre quando lidamos com o perigo: não há espaço para o erro. O erro compromete vidas. Vidas não se recuperam. É preciso saber e estar devidamente preparado e treinado para todas as situações, o previsto e o imprevisto.

Terminei com um gosto amargo aquela experiência, que depois seria compensada no mergulho seguinte, quando realizamos um mergulho a um naufrágio. Deixando a lamentação de lado, que nada contribui, o importante é aprender com o erro e corrigir na próxima operação. Eu havia sido abençoado para poder ter novas oportunidades e fazer melhor, então tinha esta chance de mostrar tudo que eu aprendi.

 

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